Cartas a Marcel [Coffee]
000000Ainda estou aqui. Debaixo da grossa câmada de dias que a vida juntou. Ainda estou aqui. Não no mesmo lugar, pois as coisas, mesmo inertes, nos carregam para lugares que, nossa, nem nós mesmos podemos prever. Mas não andei muito. Agarrei-me ao solo, como em areia de praia, apesar das sucessivas ondas, da forte maré, finquei fundo tuas raízes; estou aqui sempre que você voltar. Não foi fácil, pior do que sempre foi, sempre mais difícil. Cada dia que veio...nem conseguirei descrever...dias sem palavras.000000Ainda estou aqui, apesar da solidão e do vazio que é seu apartamento. Estou aqui, permaneço, entre cheiros de livros e armários que não me pertencem. Ás vezes com cara de pano de prato, mas sou eu. Aguardo contando nos dedos a inesperada visita que aguardo há um século, e como faz tempo. Penso ouvir um som, algum diferente das batidas de um coração que não o meu, que sempre bate perto de mim, mesmo quando você não está. E quando é que isso acontece?
000000Troquei as roupas da cama, juro, botei todo lixo pra fora, recolhi suas contas a pagar – agora só as têm comigo. Reparei, por tanto tempo de ócio, que a lâmpada da cozinha não é branca, mas verde. Nem a graminha da frente cresceu, está lá com cara de grama nanica. E eu também, diminuto, pequeno, banana, banana-nanica sem você.
000000Nem digo que está a mesa posta. Não me chamo Bandeira, nem quero visitas frias. Porém, ainda estou aqui e quanto a mim é tudo o que posso fazer. Te aguardo, bate a porta, beijos, te amo.

1 Comentários:
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