quinta-feira, abril 03, 2008

Desejo e Reparação

000000Ele era um garoto bonito que achava que tinha demais. Caminhava como se fosse um príncipe, bebia como se fosse um bêbado. Era o próprio verbo de criação. Carregava diante de si seu coração talhado, perfeito para quem quisesse ver. Nunca se deixava tocar. Bibelô de casa de velha. Sorria como quem comesse o mundo num prato fundo. Não se cabia em si, e esse era seu problema. Nunca coube em si. Nenhum espelho refletia sua imagem, o engodo de dentro não permitia. Era negro como o próprio cão, negro de solidão e orgulho recolhido. O triste de domingo.

000000Sorria como que desesperado, clamando socorro, chamando terra. Queria sentir o cheiro de coisas que nem sabia mais se existiam. Quando se torna tão vulnerável as coisas sólidas, se esquece de coisas orgânicas. Não tinha prazer em sorrir, nem pra dentro. Não tinha gozo, nunca se ajoelhava, nem na cama. Não era o salto, era o joelho que, agora, lhe deixava mais alto. Tinha crescido, mas pra baixo. Tinha mudado, mas pra trás. Estava cheio, mas de nada. Era alguém que nunca quis.

000000Não se pode voltar mais atrás. O copo é raso, sempre foi pires. Não cabe nem cachaça vadia. Seu rim não suportaria, nem seu fígado intacto da vida. Passou em branco pelas noites, puro, esculpido barrocamente num altar-mor. Tornou-se virgem em orgias. Nem as noites com Dionísio – um amante impecável – lhe devolveu o calor nas estranhas. Tudo não lhe alcançou. Nem girassóis, nem o calor, nem a expansão da matéria – rija e tenra. Ousou passar por todos os sentimentos sem marcas, exibindo uma beleza estonteante.

000000Um dia ele dorme. Orfeu acalentará suas ilusões, ele sabe fazer isso (e como sabe!). Pobre Narciso não ouviu sequer a melódica lira.

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