quinta-feira, abril 17, 2008

La Rosario, La Reina

000000Ela se chamava Rosário, a própria. Ria alto e abria as pernas para as pessoas erradas. Pior, na hora errada. Bastava convir. Tinha muitos amigos, era ela a Rosário do povo.

000000Em sua bolsa carregava todos os vícios: uma bala para adoçar, o relógio para aproveitar todos os dias e um falo vermelho com o qual seduzia a boca. Seu olhar machadiano era desvairado com todo certeza, e quando sob bebida sempre sorria pelo canto da boca. Era a Rosário do povo, caminhava meio que incerta, meio que indo, meio que voltando – sempre sem rumo certo.

000000Em dia de chuva, Rosário não saía. Se dizia muito doce, banho demais tira o açúcar.

000000Na porta da igreja curvava o joelho em homenagem a Santa Luzia, fazia o mesmo com o negro Tião em homenagem a viril vitalidade. Vertia lágrimas no Santo Sepulcro, passava a página do jornal dominical e sentia seu negro vertendo fundo. Queria mesmo é sentir as asas do anjo lindo Gabriel roçando-lhe as pernas à noite. Receber a mensagem divina de uma concepção sem sexo. Igual a Maria, sem tirar nem pôr – era assim que ela queria. Tinha todo direito. Contentava-se com seu pescador e com as noites fervilhantes num colchão suado. Ali era o próprio deus, despido, entregue aos anjos, recebendo a unção da ressurreição. Não tinha nem carne, era a própria terra emanando leite e mel.

000000Rosário lia poesia, era fã de Rimbaud e gostava de admirar os cafés de Renoir. Não entendia “...plus de lendemain, braises de satin...”, nem entendia como havia mulher tão branca, mas fazia pirraça e matava a preta Tereza de inveja. Ria alto, desgraçava os dentes de risos e não passava em branco pelos dias que sempre corriam. Era um livro, contava-se na capa.

000000Embolando pelas ladeiras da favela, era a própria rainha da tapioca. De mesinha na cabeça, seus quartos largos de boa parideira sassaricavam de par em par. E descendo o morro, com seu batom de dia, mostrava quem era a dona da banca. Era a própria - Rosário do povo. A da bolsinha, a da praia, a das canções de louvor em dia de água.

000000A negra sentava na soleira da janela e ficava a esperar dias a fio, a vinda de São Sebastião. Esperava seu gringo lindo que a viria resgatar que nem a moça da novela, de cavalo branco e cabelos longos, também ele. Pularia no cavalo e estaria livre dos dias de segunda e do lixo lá fora, da sexta e dos bêbados do cais, dos domingos e da espera sem fim. Viajaria o mundo e voltaria falando troncho, abraçaria os amigos e lhes contaria como é difícil ser moça viajada. Como é difícil não vestir roupa apertada, como é difícil não ser Rosário.

000000Chora não Rosário, a dor passa, mas a beleza permanece. A vida sempre foi amarga, doce é tua tapioca. Branca e cheia de recheio, como um anjo. Como Gabriel, roçando suas asas nas pernas e dizendo que tudo pode ser bom quando se é Maria.

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