sábado, fevereiro 17, 2007

Mrs. Dalloway de Virgina Woolf


“Não mais temas o calor do sol
Nem as iras do inverno furioso.”


Surpreendente era o poder de Sally, os seus dons, a sua personalidade. Seu modo de arranjar flores, por exemplo. Em Bourton sempre havia vasos com ramalhetes sobre a mesa. Sally saiu um dia, apanhou altéias, dálias – toda a espécie de flores que nunca se haviam visto juntas -, arrancou-as das hastes e pô-las a nadar em tigelas cheias de água. Foi extraordinário o efeito, quando chegaram a jantar à noitinha. (Naturalmente tia Helena achou uma crueldade tratar as flores daquele jeito.) Certa vez, Sally esqueceu a esponja e saiu correndo nua pelo corredor. A velha criada rabugenta, Ellen Atkins, dizia, resmungando: “Imaginem só se alguns dos senhores a tivessem visto!” Na verdade, escandalizava os outros. Uma avoada, dizia papai.
O estranho, quando recordava, era a pureza, a integridade de seus sentimentos para com Sally. Não era como o que se sente por um homem. Era completamente desinteressado, e, de resto, tinha uma qualidade que só se pode existir entre mulheres recém-saídas da adolescência. Era um sentimento protetor, por sua parte: provinha da impressão de estarem coligadas, o pressentimento de que alguma coisa fatalmente as separaria (sempre falavam do casamento como de uma catástrofe), e daí aquele cavalheirismo, por assim dizer, aquele sentimento de proteção muito mais forte do seu lado do que em Sally. Pois naqueles tempos esta era completamente estouvada; fazia as coisas mais idiotas por bravata; andava de bicicleta no parapeito do terraço; fumava charutos. Absurda...completamente absurda. Mas o seu encanto era irresistível, pelo menos para ela, tanto que se revia parada em seu quarto do alto da casa, com o jarro de água quente nas mãos e dizendo em voz alta: ”Ela está debaixo deste mesmo teto... ela está debaixo deste mesmo teto!”
Não, estas palavras agora não significavam absolutamente nada para ela. Nem sequer lhe despertava um antigo eco da antiga emoção. Mas podia recordar ainda que sentira um arrepio de excitação e que começara a pentear os cabelos numa espécie de êxtase (e agora lhe vinha voltado o velho sentimento, enquanto retirava os grampos, colocava-os no toucador e começava a pentear-se). Enquanto as gralhas se alçavam e abatiam então, na luz rosada do crepúsculo, e ela se vestira e descera as escadas, sentindo, ao cruzar o vestíbulo: “Se tivesse de morrer agora, nunca teria sido mais feliz”. Esse o sentimento - o sentimento de Otelo, e sentia-o, estava certa, tão fortemente com Shakespeare pretendia a Otelo o sentisse, tudo porque baixava, vestida de branco, para jantar com Sally Seton!
[...] Tudo aquilo não era mais que um cenário pra Sally. Estava em pé junto a lareira, falando, naquela voz tão linda, que fazia soar tudo o que dizia como uma carícia, com papai, o qual começava a sentir-se atraído contra à vontade (nunca pôde esquecer que lhe havia emprestado um de seus livros e o encontrara encharcado no terraço), quando disse de súbito: “Que vergonha estarmos aqui dentro!” e foram todos para o terraço, a caminhar de um lado para o outro. Peter Walsh e Joseph Breintkopf continuavam falando de Wagner. Ela e Sally ficaram um pouco para trás. Veio então o mais raro momento de toda a sua vida, ao passarem por uma urna de pedra com flores. Sally parou; colheu uma flor; e beijou Clarissa nos lábios. O mundo inteiro podia ter desabado! Os outros desapareceram; estava ela sozinha com Sally. Foi como se tivesse recebido um presente, embrulhado, e lhe houvessem dito que assim o conservasse, sem olhá-lo, um diamante, uma coisa infinitamente preciosa, embrulhada, e que, enquanto caminhavam (daqui para lá, de lá para cá), ela ia descobrindo, ou o seu esplendor irradiava através do invólucro; uma revelação, uma êxtase religioso! – senão quando o velho Joseph e Peter passaram por elas:
- Contemplando as estrelas? – indagou Peter.
Foi como bater com a face de encontro a um muro de granito, nas trevas. Chocante, horrível!
Não por ela própria. Sentiu apenas a hostilidade dele; o seu ciúme; a sua determinação de interromper-se na camaradagem de ambas. Tudo isso, ela viu com se vê uma paisagem durante um relâmpago...e Sally (nunca a admirou tanto como então!) soube manter-se invulnerável. Riu. Fez o velho Joseph dizer os nomes das estrelas, coisa que ele gostava de fazer, com toda seriedade.
“Oh, que horror!”, dizia consigo, como se já soubesse que alguma coisa interromperia, amargaria o seu instante de felicidade.
E afinal, quanto não deveu Peter mais tarde! Sempre que pensava nele, pensava nas querelas que surgiam entre ambos por algum motivo – talvez pelo muito que ela prezava sua opinião. Devia-lhe palavras: ”sentimental”, “civilizado”; palavras que brotavam todos os dias a sua vida, como se ele a protegesse. Um livro era sentimental; sentimental uma atitude ante a vida. “Sentimental”, talvez fosse ela, por estar assim pensando no passado. Que pensaria ele, perguntou a si mesma, quando voltasse?
Que ela havia envelhecido? Chegaria a dizê-lo, ou ela adivinharia que ele o estava pensando? Era verdade. Desde a doença o seu cabelo se tornara quase branco.
Quando colocava o broche sobre a mesa, teve um súbito calafrio, como se, enquanto divagava, as garras geladas houvessem encontrado uma oportunidade de cravar-se em sua carne. E, no entanto, não era velha. Acabava de entrar nos cinqüenta e dois anos. Meses e meses deste último ainda estavam intactos. Junho, julho, agosto! Cada um permanecia inteiro, e, como para côlher a gota que tombava, Clarissa (dirigindo-se para o toucador) precipitou-se no próprio coração do momento, varou-o, ali – aquele momento de uma manhã de junho em que havia o peso de todas as manhãs, vendo de novo o espelho, o toucador, todos os frascos, concentrando-se inteiros em um único ponto (enquanto se olhava no espelho), a fitar a delicada face rósea de mulher que naquela mesma noite ia dar uma recepção; a face de Clarissa Dalloway, a sua própria face.


Mrs. Dalloway, Virginia Woolf, tradução de Mário Quintana. Abril, São Paulo, 1972. 1ª edição.

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domingo, fevereiro 04, 2007

Stupid White men de Michael Moore.

No livro Stupid white men, Moore demonstra , principalmente, duas coisas:

1 - todo americano é idiota, come Mcdonalds e é branco (com exceção do Will Smith e do Jack Bauer - que comem no Bobs.) e...

2 - Qualquer tolo e idiota um pouco mais lúcido poderia escrever esse livro!

Essas conclusões ao fim do livro são inevitáveis, já que Moore passa todos os capítulos provando a cada linha a enorme "inteligência" dos donos-do-mundo...e sua indiferença completa com qualquer traço mais rebuscado na forma de escrever...e, que se foda! Essa é a análise final que nos resta - que se fodam! Todos! Com o humor afiado - que também pode ser visto nos cinemas e em vídeo - e pouca ironia fina, o escritor traça uma linha reta em defesa da lucidez de um povo que se acha “o mais superior do mundo".

E pelo que se viu...nem uma tijolada na testa fez esse povo acordar, tio bush foi eleito! Sorry...que Deus dê uma morte lenta e gradual a todos os políticos....amém.

"Como milhões de pessoas que nasceram no Michigan, passei um ano ingerindo PBB, o agente químico usado em pijamas infantis – e nem sabia disso. O PBB veio na forma de um produto chamado Firemaster (um retardante de fogo) fabricado por uma empresa que também fazia ração para gado. A certa altura, acidentalmente alguém misturou os sacos nos quais embalávamos trecos e enviaram o retardador de fogo (etiquetado como “ração”) para um grande deposito em Michigan, que distribuía ração para fazendas em todo o estado. Em breve as vacas estavam comendo PBB – e nós comíamos as vacas e tomávamos seu leite, cheio de PBB.
O problema do PBB é que o organismo não o excreta ou o elimina de forma alguma. Ele simplesmente fica no seu estomago e sistema digestivo. Quando esse fiasco foi descoberto - e ficamos sabendo que o estado do Michigan havia tentado esconder a noticia do publico – os habitantes do Michigan ficaram furiosos: cabeças rolaram, políticos foram tirados de cargos. E nos disseram que cientistas não tinham idéia do que o PBB nos causaria – e provavelmente não descobriria-mos por mais 25 anos.
Bem, o fusível do um quarto de século expirou, e acho que a boa noticia é que meu estomago jamais pegou fogo. Mas ainda aguardo aqui, cheio de ansiedade, esperando que outras vacas sejam paridas."

“Stupid white men: uma nação de idiotas” / Michael Moore: tradução de Laura Knapp, com patrícia De Cia e Ana Carolina de Carvalho Mesquita. - - 4ª edição, São Paulo: Francis, 2003.